A Peça da Coroação

Para comemorar a ascensão de D. Pedro I ao trono imperial, cunhou-se a moeda de ouro de 6.400 réis, que ficou conhecida como a "Peça da Coroação" e é considerada até hoje, uma das mais raras e valiosas da numismática brasileira. Foram produzidos 64 exemplares, cunho assinado pelo gravador Zeferino Ferrez e fabricados pela Casa da Moeda do Rio de Janeiro. Essas moedas não chegaram a circular efetivamente, tendo sido a cunhagem suspensa por D. Pedro I, a quem desgostou o fato de nelas aparecer representado de busto nu, à feição dos imperadores romanos; e o de figurar a coroa real diamantina (ornada com pedras preciosas ou pérolas justapostas, símbolo do poder real), em vez da imperial (designativa do título). Bem como ter havido a omissão da palavra CONSTITUCIONALIS e do complemento ET PERPETUUS BRASILIAE DEFENSOR, o que podia pressupor um desejo do poder absolutista.

 
Medalha, Ensaio ou Moeda?

Dada a situação peculiar do fato histórico, muito se especulou no que realmente se trataria essa preciosidade. Poderia realmente ser considerada uma moeda? Ou teria sido uma medalha ou mesmo um mero ensaio? Para discussão, é conveniente definir cada uma dessas categorias e tentar classificar mais precisamente a peça da Coroação.




Medalha
Geralmente de metal, multiplicada uniformemente, sem valor preciso, e sem reunir os caracteres conhecidos e determinados pelo título, peso e tipos. Destinam-se quase sempre a comemorações de acontecimentos ou personagens. A rigor, de medalha, a peça em estudo tem apenas o material de que é feita e a multiplicação uniforme. Porém, afasta-se dessa categoria o "sem reunir os caracteres conhecidos e determinados pelo título, peso e tipos" pois a peça está filiada ao sistema monetário anterior à Independência e que vigorou, no Brasil, até 1833. Afasta-se, também, o "destinam-se quase sempre a comemorações de acontecimentos ou personagens". Mesmo tendo sido produzidas na comemoração da Independência e sendo clara a idéia de homenagear D. Pedro, não há nada expresso a respeito gravado no objeto. Além disso, apresenta serrilha, que é sem dúvida uma das mais fortes características da moeda. A medalha, salvo raras exceções, distingue-se ainda da moeda pelo módulo, geralmente maior, e pelos metais inferiores de que é feita – prata ou bronze, quando sendo os exemplares em ouro, quase sempre, peças únicas. Nesse caso, todas as peças são de ouro. A medalha comemora um fato qualquer. A moeda cumpre uma função econômica. É nesse ponto que as duas categorias mais se distinguem.

Ensaio
É a peça, metálica ou não, que serve de modelo para novas moedas, podendo ser ou não aprovado. Se era um ensaio, esse ensaio não serviu de modelo às peças que se cunharam a partir de 1823, uma vez que o tipo destas  difere dele profundamente. Acontece, ainda, que a peça da coroação teve, ela mesma, o seu próprio ensaio. O que mais se encaixa é que os 6400 de 1822R foi uma moeda provisória, de pequena tiragem, e da qual se fizeram ensaios e que, por não reunir em seu tipo certas condições julgadas importantes ao tipo monetário nacional brasileiro, foi substituída por outra completamente diferente.

Moeda
Peça de metal multiplicada uniformemente, em grande número e trazendo impressões semelhantes, determinando real ou ficticiamente o seu valor. Serve de meio universal de troca contra todos os outros valores. A moeda deve, necessariamente, reunir três características determinantes, uniformes e conhecidas: título, peso e tipo. Documentadamente, a “Peça da Coroação” circulou (ou girou) e somente este fato já seria suficiente para não classificá-la  entre as medalhas e ensaios. Existe um texto legal, o decreto imperial de 19 de novembro de 1822, no qual o ministro Martim Francisco ordena ao Tesoureiro Mór a entrega ao Monsenhor Fidalgo, Inspetor da Capela Imperial, a quantia de 403.200 réis em 63 peças de 6.400 réis, com a efígie Imperial, para a oferta no dia da coroação. Ela poderia ser enquadrada na classe das moedas comemorativas (ainda moeda) mas, apenas por convenção e não tecnicamente. Isso se for levado em consideração a informação de Azeredo Coutinho, que por sua vez se baseou na expressão do provedor Fonseca Costa, de que as 64 peças cunhadas o foram “para o dia da Coroação”.


Fonte: POLIANO, Luiz Marques, A Peça da Coroação in Boletim Nº57 da Sociedade 
Numismática Brasileira , pp.16-33
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