Você conhece a história das primeiras moedas brasileiras? - 2ª Parte


A primeira vez em que se faz referência à idéia de se cunhar moeda no Brasil pelos holandeses, deveu-se às necessidades militares e às dificuldades da tesouraria da Companhia das Índias Ocidentais. 

Lutando com a falta de numerário, o Alto e Secreto Conselho começou a vender e hipotecar as mercadorias que tinham em depósito. Em ata de 21 de julho de 1645, o órgão supremo da administração local da colônia brasileira, descreve que já havia disponibilizado para venda, aproximadamente 741 kg de ouro, retirados da última remessa vinda da Guiné. 

Com a crítica situação em que se encontravam, pela escassez de numerário face à necessidade de dispor de dinheiro para o pagamento da milícia, serviços e víveres, os holandeses resolvem mandar cunhar moedas de ouro de XII, VI e III florins, tendo de um lado a marca da companhia e do outro a data, conferindo-lhes um aumento de 20% no valor do metal, evitando que as mesmas saíssem do país, podendo ser recolhidas no futuro. 

A decisão de se cunhar moedas só foi tomada pelo Alto e Secreto Conselho na sessão de 18 de agosto de 1645. O Conselheiro Pieter Jansen Bas, foi o encarregado da produção das moedas brasileiras, mediante concessão formal, e isento de qualquer acusação futura. A cunhagem das moedas para suprir as necessidades dos holandeses começou imediatamente, e a 14 de setembro de 1645 foram remetidos exemplares, de cada um dos valores, ao Conselho dos XIX, na Holanda. Finalmente, a 10 de outubro de 1645, Pieter  Bas ordenou o início da cunhagem dos ducados brasileiros para circulação local. 

As moedas cunhadas pelos Holandeses em Pernambuco nos anos de 1645 e 1646 e, posteriormente sob cerco em 1654, foram as primeiras cunhagens efetuadas em território brasileiro com a indicação “Brasil”.

Essas moedas eram batidas em “placas” quadrangulares de ouro, nos valores XII; VI e III florins com as iniciais da Companhia e valor (dentro de um colar de pérolas) no anverso; e as palavras ANNO/BRASIL (e data), dentro de um colar de pérolas, no reverso. Foram também batidas, em prata, moedas no valor XII soldos, unifaciais, com a indicação da data de emissão, do valor, e das letras GWC, sigla da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais (Geoctroyeerde West-Indische Compangnie).
  
As remessas de florins, soldos e xelins provenientes da Holanda não eram suficientes para atender as necessidades da administração holandesa no Brasil, durante os anos de ocupação. Para suprir a falta de recursos, o Conselho utilizou o ouro vindo da Guiné destinado à Holanda para cunhar, em 1645, moedas de XII, VI e III florins e no ano seguinte fez nova emissão com o restante do ouro.  

Estas moedas chamadas de obsidionais* (de emergência ou de necessidade do invasor) foram as primeiras cunhadas no Brasil e são muito raras. São destacadas das demais moedas pela sua forma quadrangular e pela pouca espessura.  As moedas de prata de XII soldos de 1654 foram produzidas após a capitulação dos holandeses, com características semelhantes às de ouro, consideradas também moedas de necessidade do invasor.

Os valores X, XX, XXX e XXXX soldos, segundo vários pesquisadores e estudiosos, são falsas, jamais tendo sido cunhadas pelos holandeses. 

Um estudo preliminar de algumas moedas holandesas  da  Coleção do Museu Histórico Nacional, foi realizado em 2007 pelo Centre de Recerche et de Restauration des Musées de France,  juntamente com Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCT) e pelo Instituto Nacional de Tecnologia (INT/MCT).

Foram examinadas as moedas de III, VI e XII Florins de 1645, aléem de um XXXX sooldos de 1654. O estudo, porém, não é conclusivo sobre a autenticidade da cunhagem pelos holandeses. Pode ter sido cunhada durante aquele período, o que não atesta a sua autenticidade. 

É importante esclarecer que não existe qualquer documentação, nos arquivos da GWC que atestem a cunhagem de moedas de X, XX, XXX ou XXXX soldos. Sendo o sistema duodecimal, admitia múltiplos e submúltiplos de 12, o que certamente excluía tais valores.

A seguir, foto da análise do XXXX soldos, pertencente à Coleção do Museu Histórico Nacional, constante no referido estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCT).





A seguir, o desenho do raríssimo XII soldos.



São visíveis as diferenças. A iniciar pelo “W” de GWC, a exemplo do “X” em REX, o “W”, composto de “2 Vs”, tem seus traços direitos duplos, fato observado por qualquer abridor de cunhos. Somente isso já demonstra que o cunho foi aberto por um leigo e não por um profissional que conhecia seu trabalho. Também é “gritante” a diferença entre o “6” do XXXX soldos e o do XII soldos. A pesquisa faz referência a defeitos que atribui à má qualidade de gravação do cunho (pág. 297 do artigo publicado na Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação, Vol. 1, nr. 6)

Segue parte do texto do referido estudo:

Foram observadas as letras “G” e “C” na região de cruzamento do “W” . As imagens em elétrons retroespalhados obtidas no MEV  nessa região, mostram os efeitos do gume de cunho e o defeito gravação de cunho do topo da letra “C”.

Foram também observados os três últimos “X” da legenda “XXXX”, bem como os detalhes do cunho no topo do terceiro “X” desta legenda.

Quando a imagem é ampliada, um certo número de inclusões de cor branca surgem na região em torno do terceiro “X”. De modo a explicar estas inclusões, também encontradas em muitas outras zonas da moeda, procedemos a uma análise por intermédio do sistema EDS do MEV.

A análise da composição destas inclusões mostra que se trata de finas partículas de Au incluídas na matriz de Ag. Essas inclusões são possivelmente devidas ao fato de as moedas de Au e Ag terem sido fabricadas com elementos de um mesmo equipamento de cunhagem.
Foram também observados vários detalhes da data de emissão, onde aparecem claramente defeitos no número “6”. Esses defeitos podem ter sido devidos à má qualidade da gravação do cunho.

Curiosamente, o relevo na zona central do bordo desta moeda, observado no MO mostra, ao contrário do que se observa nas moedas de Au, que provavelmente deve ter sido cortado com um instrumento do tipo de tesoura. 

O corte talvez não tivesse sido efetuado até o final do bordo, tendo o último pedaço sido “arrancado” em vez de completamente cortado.
É necessário esclarecer que o tempo que separa as últimas cunhagens de Florins de ouro, das primeiras dos Soldos de prata é de, pelo menos, 9 anos. As partículas de ouro presentes nos cunhos das moedas de prata, somente servem a atestar que foram batidas na mesma época e não em períodos diversos, com espaçamento de 9 anos. 

Junte-se a isso as moedas falsas de ouro da “botija de Recife” nos valores de X, XX, XXX, e XXXX florins para concluir o óbvio.

HOLANDESAS - AS PRIMEIRAS MOEDAS COM O NOME BRASIL


Estas moedas, chamadas de obsidionais* (de emergência ou de necessidade do invasor), foram as primeiras cunhadas no Brasil e são muito raras. São destacadas das demais moedas pela sua forma romboidal e pela pouca espessura.  As moedas de prata de XII soldos de 1654 foram produzidas após a capitulação dos holandeses, com características semelhantes às de ouro, consideradas também moedas de necessidade do invasor, sendo muito mais raras que as de ouro.
Face à inexistência de ferramentas e materiais adequados, bem como à urgência do trabalho, as moedas foram feitas de forma bastante rudimentar, como mostrado na figura a seguir.

Em meados de julho de 1645, o navio Zeeland, recém chegado da Guiné, transportava 360 marcos ou cerca de 309 quilogramas de pepitas de ouro. A Companhia das Índias Ocidentais que encontrava-se sitiada e constantemente atacada pelos luso-brasileiros, resolveu lançar mão de  aproximadamente 90 quilogramas dessa carga,  para  comercialização imediata e transformação do metal em moeda, com aumento de 20% do valor para posterior recompra, dessa forma suprindo suas necessidades básicas como alimentação e pagamento dos soldos dos mercenários contratados para sua proteção.

Legalmente, um Marco de ouro (247,047 g.) de título 9162/3, deveria fornecer, durante o processo de cunhagem, 32 moedas de XII Florins (com peso de 7,72 gr. ou 5 engels) e para as de VI e III Florins, 64 e 128 moedas respectivamente, com peso proporcional.

Em trabalho intitulado “The Coins of the Dutch Overseas Territories”, C. Scholten indica como peso legal, 7,690 gr; 3,845 gr e 1,920 gr, respectivamente.


Tal se deveu ao fato de haver tomado por base, de forma equivocada, o Marco de Amsterdã que pesava 246,084 gr., quando o correto seria fazê-lo pelo Marco da Batávia que pesava 247,047 gr. ou 160 engels.

Os holandeses comercializavam o ouro da Guiné a 37 Florins por Onça, ou seja, 296 Florins por Marco. Cunhando as moedas, apuravam um valor muito maior, já que estas entravam em circulação com um valor superior em 20% ao seu valor intrínseco. Porém, para a G.W.C., o ano de 1646 tratou-se de um período bastante complicado.

Na realidade, o que se seguiu foi a maior crise que a Companhia sofreu durante toda a ocupação em terras brasileiras. A situação econômica e social agravou-se a tal ponto, que a população, devido ao flagelo da fome, passou a dar a caça a todos os animais da região. Cavalos, aves, cães, gatos e ratos chegaram ao limiar de sua extinção durante aquele período.

A exigüidade de moeda obrigou os holandeses a repetir a operação de retirada de ouro dos navios que vinham da África com destino à Europa. Em agosto de 1646, retiraram 405 marcos de ouro, dos quais 50 foram vendidos a peso e 355 foram entregues ao Conselheiro Pieter Janssen Bas, para a cunhagem de novas moedas obsidionais.

Utilizando-se do mesmo regimento, a “Instrução” de 10 de outubro de 1645, Pieter Janssen Bas convocou os mesmos ourives que realizaram o trabalho de cunhagem das moedas, no ano 1645.

Em 27 de agosto de 1646, deu-se início às atividades de cunhagem, operação realizada com grande dificuldade devido à péssima qualidade e capacidade dos cadinhos para fundição do ouro e dos equipamentos empregados.


Durante a cunhagem de 1646, de acordo com a documentação oficial existente, foram abertos 16 novos cunhos, mas se verifica que pela perolagem das moedas conhecidas como autênticas, foram utilizados 18 cunhos. Devemos recordar que nesse período foram usados cunhos de 1645, devidamente restaurados. No entanto, há de se considerar que somente os cunhos de anverso, por não apresentarem a data da moeda, puderam ser restaurados e reaproveitados. 

Figura: Imagem ampliada de um VI Florins em excelente estado de conservação, vendido pela casa de leilões numismáticos Kunker em 21/06/2005, lote nr. 235 - Valor final: € 12.500 (12.500 euros). Acervo particular. Coleção Bentes.


Figura: Imagem ampliada de um raro III Florins ano 1645 em excelente estado de conservação. Acervo particular.
  
Observações: Alguns autores consideram a expressão “moedas obsidionais” (do latim obsidio, obsidionis, invasão), como um equívoco no que tange as moedas cunhadas pelos holandeses no Brasil. Segundo estes estudiosos, as moedas de necessidade se dividem em dois tipos principais: as dos invasores, que cunham geralmente para o pagamento dos soldados, e a dos invadidos, que na necessidade de fazer circular dinheiro durante a “reclusão”, usam metal não precioso, por vezes até não-metal. As moedas cunhadas pelos invadidos seriam chamadas de obsidionais, enquanto que as cunhadas pelos invasores (o que seria o caso dos holandeses, responsáveis pelos florins e stuivers), seriam chamadas CASTRENSES, do latim castris, castris – acampamento.

1) As moedas de X, XX, XXX e XXXX soldos que frequentemente aparecem em alguns catálogos e leilões eletrônicos são falsas. A única moeda obsidional de prata reconhecida autêntica por nós, e por autores especializados no assunto, é aquela de XII soldos.

2) Existem falsificações de todos os valores em grande quantidade. São extremamente raros os exemplares autênticos e da mais alta raridade o XII soldos de prata. Devido ao fato de serem moedas desejadas por todos os colecionadores, pelo seu significado histórico e raridade, existe no mercado grande número de moedas falsas batidas com cunhos grosseiros e vendidos por comerciantes inescrupulosos. Assim, aconselhamos a máxima cautela em adquiri-las.

3) A expressão “obsidionais” deriva do do latim obsidio (obsidionis – invasão). O termo é assim usado em referência às moedas “batidas” durante a ocupação de um território, em caráter de emergência, para pagamentos gerais e das tropas. Porém, alguns autores preferem dividir estas moedas moedas de necessidade em dois tipos distintos:

• Aquela dos invasores, cunhadas geralmente para o pagamento dos soldados, e

• Aquela dos invadidos, que na necessidade de fazer circular dinheiro durante a “reclusão”, usam metal não precioso, por vezes até não-metais. Na opinião destes estudiosos,  “obsidionais” seriam as moedas cunhadas pelos invadidos, enquanto aquelas cunhadas pelos invasores (no caso os holandeses, responsáveis pela cunhagem de florins e stuivers, que invadiram o nordeste do Brasil em 1612),  deveriam ser denominadas “CASTRENSES”, do latim castrum, castri (acampamento).

4) Após a derrota na Batalha de Tabocas, e encontrando-se sitiados no Recife, os holandeses encontravam-se em dificuldades devido à falta de numerário para o pagamentos gerais (despesas de manutenção e soldados). Assim, ordenaram a cunhagem de Florins (Ducados) em caráter de emergência nos anos 1645 e 1646.

5) No ano de 1654, “bateram” moedas de prata (Stuivers ou Soldos), em liga de baixo teor, somente para pagamento das tropas, no único valor de XII Soldos, apesar da autorização para cunharem também os valores I e III que não chegaram a ser cunhados.

Fonte: MBA Editora
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